terça-feira, 3 de abril de 2012

GRANDES ÁGUAS

O Marcão, meu bom amigo, é um caso. Faz cada uma! Hoje, por exemplo, depois do almoço de cinco reau numa marmitex, ali pela Brasil, tando voltando pra casa, debaixo dum sol venenoso, ele simplesmente empacou. Ora, pressa em voltar pra casa pra quê? Não há razão, se já comi, pensou. Caminhar debaixo daquele solão, a mochila ia inté colar nas costas de tanto calor. 


Alá, reparou, uma nuvona carregada, no outro lado da fronteira. Dois corvos planavam com prazer, em círculos, no vento fresco que abria o caminho daquilo que prometia ser um aguaceiro e tanto. Se eu esperar, aquela nuvem vem sobre a cidade e tampa o sol, e do jeito que vai a coisa, só pra isso ela vai servir, porque chover mesmo que é bom, nada! Podia ficar ali, era a praça do Mitre, à sombra duma sibipiruna e esperar. E sentou e esperou, contou-me. 


Deu meidia e meia, deu a uma, e uma e meia, e parece que a bitela tava era estacionada, embromando emburradona, lá pras bandas da Ponte. Hum, fungou ele, pois ficaria ali até que ela se decidisse a cobrir o sol.


Ligou pra mim. Perguntou se ainda podia me cortar a grama do quintal. Ah, você tá no banco? Tá que nem eu então, gracejou. Ficou que desceríamos juntos. Mais um motivo pra esperar. E bateu um sono que só. Assim foi que - e depois que se cansou dos carros hipnóticos - reparou nos treze pés de coquinhos no meio da Schmmelpfeng, diante do colégio Mitre, raquíticos, sim, mas alguns dando frutos amarelos. Lembrou-se de sua infância rural. Desceu as vistas entorpecidas e, espantando o sono, reparou nas platibandas aos pés dos coqueiros e se alegrou com as cores vivas, as inflorescências das moitas de ixoras. Este nome ele nem poderia pronunciar, se o conhecesse, eu é que, passando por lá, pude conferir. Nisto, um canto familiar levantou sua atenção pras copas das árvores. Era um bando de anus-brancos... Iam em fila, voando curto, escarafunchando, por entre as folhas das palmeiras, insetos e, se não me engano, procurando água neste dia abafado, bebendo daquela que se acumula nas axilas das folhas (e não me fale de dengue que me estraga a história, atalhou). 


Bem no canto do Rafain Chopp, divisa com a Honda, ele admirou outras palmeiras viçosas. Uma delas de fato ostenta ‘um cachão assim’ de frutinhas maduras. Frutas ele adora. Ali se congregou a maioria da tribo alada e por mais tempo. Achou ele que era por mais bichinhos e mais água...


A cada ônibus que subia, uma enxurrada de gente passava pela praça, sob o sol, na maioria alunos, abanando-se no mormaço. Cheguei, nesse momento:
˗˗ E nada da chuva, hein?!


Como nem a nuvem nem o amigo chegavam, Marcão se havia posto a ler de novo a poesia que, outro dia, tinha prometido a um manquinho, aquele distribuidor de poesias lá do Terminal.
˗˗ Moedas, amigo? Não tenho, mas vou lhe fazer uma poesia. Pra você distribuir assim. Que assunto você quer: amor de sacanagem, religião, políticos, dinheiro? O quê?
˗˗ Hum, pensou o rapaz moreno de olhos lânguidos, sobre a amizade, disse seguro. Parece que estava mais esperançado nu-ma moeda graúda que nesta vaga promessa de versos duvidosos, mas como a moeda não veio... Marcão lhe havia dito que gastara tudo.
˗˗ E ficou nisso, cara! Lembra e ri, chacoalhando a cabeça desgrenhada.
˗˗ Ah! Ficou assim, olhe aí e me estendeu o escrito revisado em vermelho por uma moça da UDC, sua vizinha. No papel que é o lado de dentro duma caixa de pasta dental, aberta às pressas e mal recortada, lê-se:


PENSE!
Já dizia Salomão
Hoje tão pouco lembrado
Oh! Que tudo é vaidade!
Nem a fama, nem a grana ou o poder, nada
Até mesmo a beleza, a mocidade...
Tudo acaba, tudo se esvai com o tempo
Hoje, mesmo o que faz furor não dura
Amanhã, é folha seca ao sabor do vento
Só a amizade, meu senhor, perdura!



E o comentário ao cliente seria:
“Bom dia, meu amigo(a) eu me apresento,
aí está o meu nome, que é a minha identidade,
por uma simples moeda, quase nada em pagamento,
leve este escrito e PENSE, é um poema-verdade!”



˗˗ Muito bem, Marcão, vejo que é um acróstico, mas o primeiro agá está certo?
˗˗ Tá! Por quê? O nome do nanico é assim mesmo, e duvidou, é acrósco, é?!
˗˗ An-ham! ... Bom, mas vamos que aí vem a chuva.
˗˗ Tomara, desejou, guardando o poema no bolso da mochila e pegando o tesourão de debaixo do banco. Riu, mas deu-me razão de que manquinho e nanico não foram termos gentis. Verificou que finalmente a sua nuvem gigante cobrira o sol e lá fomos nós, descendo pros lados da Wandscheer.
˗˗ E já estamos em março, né?!
Não entendeu, mas concordou. Chuviscava miudinho, mas pra quê apurar o passo, se era promessa mentirosa? Escureceu. Nem ligamos. Ventou, levantando súbitos remoinhos de folhas do bambuzal dos barrancos do Boicy. Demos de ombro. Já subindo, trovejou soturno. Rimos. A uma quadra de casa, uns pingos ralos aqui e ali. Bom, e afinal, chegamos molhados os dois, sim, mas pelo suor da subida, não pela chuva que nunca veio:
˗˗ Ah! Marcão, esta sua Foz das grandes águas e de tão poucas chuvas!


[Antônio Villas, Foz do Iguaçu, 02.03.2012]

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