terça-feira, 3 de abril de 2012

DE ARAPONGAS & PINHEIROS

CATIVEIRO. Quando criança, meados dos 60, conheci uma meia dúzia de arapongas, sempre em gaiolas. Perto da Matriz, talvez nas casas dos Scolari, havia algumas. O finado Roque Rabito também as tinha. Cultivava o pioneiro paulista o gosto pela fauna canora da região na casa com jeitos de castelinho que possuía, não longe da antiga Rodoviária. Escutava-se uma ou outra esparsa pela cidade. Ao que parece, aquelas coitadas todas morreram em cativeiro, nenhuma deixou descendência.


PÁSSARO FERREIRO. Hoje, se você quiser ver (e ouvir) uma delas ainda, vá ao Passeio Público de Curitiba. Lá, por entre árvores antigas – e extranhamente poucas são pinheiros do gênero Araucária – há viveiros enormes, alguns com mais de sete metros de altura, com pássaros, aves e monos. Num deles, entre pintassilgos, rolinhas caldo-de-feijão, jacus e outros alados aloprados, há duas arapongas brancas. Não, não sei se formam um casal. São brancas, ambas, e têm o pescoço azul-turquesa. Não parecem jovens e, no entanto, são menos encorpadas que uma pomba doméstica. Apesar disso, haja tímpanos para agüentar aqueles golpes de bigorna.


AGRESSIVIDADE. No dia em que fui lá, uma delas estava no baixo. Estacou num arbusto seco, perto das rodelas de fruta espetadinhas nos galhos que os zeladores tinham trazido. Ela se pôs numa posição retorcida, armada de bico aberto, ameaçador. Sera que é sempre briguenta assim? Enquanto desafia os outros pássaros, fica de olho na companheira lá, no alto, e, logo, destampa a goela. A outra lhe segue a toada. Ficaram os ferreiros (talvez ferreiras) por quase meia hora, batendo, malhando... Só quando elas pararam é que o pica-pau branco, meio termo entre carijó e desbotado, se fez ouvir com seus trilos decepcionados, pois em cada um dos seus vôos só faz dar com o nariz nos tubos metálicos da jaula, e ele, pobrezinho, é carpinteiro!


CONCIDADÃOS. Percebe-se então o grasnar suave das muitas garças de brancura deslumbrante que aninham soltas, nos topos das árvores daquele bosque. Dois filhotes já emplumados, desajeitados ainda, se agarram nos troncos ásperos, nodosos. Suas cores juvenis os camuflam bem. Também fora do cativeiro, o João-de-barro marrom passeia com as juntas das pernas duras, por entre os bancos do passeio em público, e sua casa constrói sem contratempos, até sobre os postes, ali da praça. E duram. É um oleiro habilidoso e popular! Só deve cuidar-se de gato doméstico e urbano que o anda espreitando, mas não aqui.


OS ARTEIROS. Ainda no sossego da pausa, acalmada a gritaria aguda, meus olhos vão até lá, no fundo. Macacos de rabos peludos e elevados fazem que vão, mas vêm e vão e vêm, incansavelmente, na sua jaula exclusiva. Maneiros, sobem e descem pelos paus colocados entre as árvores. A pontes pênseis, rabos preênseis! Que entretimento pras crianças e adultos também. Bicicletas inquietas param e até um skate. Eu me ponho a admirar os admiradores dos quadrúmanos. Nossa! Até os sorveteiros respeitam o momento. Muito bem! A macacada, já tarimbada no mundo do espetáculo, intensifica nas macaquices. Artistas, eles tentam de tudo, pra levar os fãs a transgredir as placas de não dar alimento aos animais. Ah, mas vejam só! Os sorveteiros, sacanas, têm saquinhos de amendoim escondidos entre os sorvetes. Arteiros, os macacos sabiam de tudo. Cumplicidades! Evidentemente! O resto se adivinha, né?


TÍMPANOS! Pronto! O silêncio durou pouco. As arapongas recomeçam a esgoelar. Volto, por força, à grande jaula, o viveiro de antes, feito de novo, uma indústria artesanal do ferro. O caminhão do gás, lá da nossa city, deve anunciar-se às donas de casa com alto-falante, pois o sino já ficou no passado. Faz algum tempo ele trocou o abjeto “pour Elise” eletrônico pelo canto metálico das pioneiras extintas! Pese toda a amplificação, aquele caminhão tem mais modos que esta estridente oficina daqui. E são apenas duas! Renego do volume deste canto ardido. Aturde mesmo! Quase endoidece. Vou-me embora!


GÊNESE. Os ingleses, colonizadores do norte do estado, encontraram-nas ali por milhares, em nossas matas iniciais, único hábitat possível para as que se revelariam logo infaustas aves. E eram tantas que, impressionada, a madama, esposa de um Lord, passeando de tarde, depois do chá, abanando-se acalorada, sugeriu usar o nome delas para a gleba nascente, ou comarca, ou distrito, sei lá! Mas milhares? Cruz-credo! Não tivessem sido exterminadas como foram, pelo gritocídio involuntário das derrubadas, hoje iria fazer falta um bando de veterinários especializados em operar as cordas vocais destas gritalhonas... E tais bandidos ganhariam dinheiro!


INTERNET. Mas cá, pra nós: Não é extranho ter que vir à capital do Paraná, só pra poder conhecê-las? Aqui é o reino da gralha-azul. Ouvir as arapongas e sem poder destroncá-las? E pensar que não uma, nem duas, mas três delas figuram no brasão araponguense. Mas não tem outro jeito. Nas últimas festas de fundação lá de nossa cidade, uma escola organizou brilhantemente uma exposição sobre os pássaros. Convites voaram pela urbe em todas as direções. A garotada se desdobrou, numa caçada sem precedentes. Perseguiram espécimens raros e voltaram carregados de inúmeras fotos, cantos e gráficos capturados avidamente na empreitada! A exploração foi bem sucedida, virtualmente sem nenhum controle, na Internet, esta floresta imensa de recursos renováveis. Só assim mesmo!


O IBAMA. O Dr. Paulo Hermínio me contou que, dias antes das referidas comemorações, um senhor bem intencionado e com grande sacrifício, tinha trazido do Mato Grosso uma Procnias Nudicollis que assim se chama a araponga, cientificamente. Fez um esforço danado, pois sentia um desejo irresistível, cívico, de mostrá-la aos concidadãos da vizinhança (e incomodá-los, pois!). A curiosidade alvoroçou o povo. Vieram de longe pra bisbilhotar, aí, até a cachorrada estressou. Mas o reverendíssimo IBAMA baixou lá, confiscou a bichinha e sentou multa, pondo fim naquela gritolatria.


- 'Que pena', deve ter pensado o tal senhor.


- 'Que alívio', devem ter dito os vizinhos!


É BRINCADEIRA! Bom, deixa eu mudar de assunto, pois nestes tempos democráticos e tolerantes, facilmente me tacharão de gritófobo. Já dos pinheiros - o termo tupi “curitiba” é um colectivo deles - falaremos noutra ocasião. Quem sabe, voltando à Arapongas, pois afinal, cinco deles, junto com os ramos da erva-mate e do café, também decoram nossa heráldica municipal.


[Antonio Villas, Curitiba, 2.12.2006]

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