domingo, 3 de junho de 2012


PÁSSAROS DA CIDADE
(Antonio Villas, Arapongas, 24.09.2006)

Ora, eu não sabia que ao lado do Labclin, na rua Flamingos, havia um pé de jatobá. Sim, senhor; e é alto e bem encopado com aquelas folhas brilhantes. Balançam ao vento morno, os cachos de flores verdes, miudinhas, ainda por abrir e vários frutos temporãos: vagens graúdas marrom-lustrosas. Em frente, do outro lado, há uma palmeira rabo-de-peixe e também uma moita enorme de árvore do viajante... Essas plantas chamam a atenção porque já são velhas e revelam proprietários cuidadosos que souberam enfeitar seus lares com jardins e/ou, talvez depois, preservá-los, dando à cidade estas jóias da flora: Elas acabam atraindo uma pequena fauna alada e movimentada e é assim que o nobre título de nossa Arapongas, PR não fica nem tão vazio, nem anda tão silente... Cidade dos Passarinhos! A palmeira ali, por exemplo, esgalhada, quase imita a copa dum pinheiro. Nos cachos de coquinho, cor de creme ao nascerem, acolhe inúmeros insetos de cores variegadas, zumbidores ou não. Nas folhas espigadas, abriga pássaros: lá estão dois casais de ternas rolinhas, agora febris, em juras de amor eterno. Dissimulam até bem as insistentes consumações deste ardor, cachorras! Parecem que não vêem que no topo da árvore há dois bem-te-vis do peito branco ou quase, vendo tudo. Buliçosos e intrometidos como são, pulam de galho em galho:
– Bem-te-vi! Bem-te-vi!
E descem em picada até o chão, capturando presas suculentas que caíram da palmeira e toparam com a rude e dura calçada; a micro-ecologia vai tomando novos rumos... E tornam à cima, proclamando um domínio territorial sonoro.
Mas o que mais me trouxe lembranças foi uma minúscula e gentil corruíra que nem vi, mas que juro ali estava com o seu canto familiar: gorjeios matinais, claros e melodiosos. Suponho que tenha seu ninho em algum vão, nas axilas das folhas da palmeira. Como é seu costume, qualquer cavidade serve-lhe de guarida. Lembrei-me então de que dentro duma lata de leite em pó que continha pregos velhos, pela metade, esquecida pelo carpinteiro na viga de um puxado, numa casa de minha infância, havia um ninho destas cantoras simpáticas...  Mamãe em jejum está lá dentro, esperando as enfermeiras, enquanto eu aproveito o tempo – depois de tantos anos – e ouço e contemplo estes espécimes de minha terra. Sendo já mais de seis e trinta da manhã, deito os olhos sobre um bando de bicicletas de ambos os sexos. Seus pneus – chiando – descem a rua, deslizando diligentes rumo às indústrias moveleiras, alimentícias e outras. São trabalhadores que vão calados, em velocidade e roupas uniformes, como vão os operários de uma cidade do sul.
– Do sul? Como assim? Qual? E... Por que calados?
Bom: sul, norte, centro... Isto já não importa! O certo é que um deles vai com o coração doído. Pedala desorientado, seguindo os outros. Oprime-lhe os ombros uma tonelada de pesar, dose industrial. Não dormiu direito esta noite e, por cima, a ressaca. Não fosse a mãe, que acorda com o galo, ele nem teria levantado. Tomou um porre, sim, pois a namorada dele, secretária do patrão, deu-lhe o fora, ontem de tardezinha... Tão de supetão ela jogou aquilo na sua cara que a mortadela do sanduíche se lhe atravessou na goela. Ela entrou, onde nunca tinha entrado, onde só entram os homens da vila nos fins de tarde e, nervosa, até esbarrou num dos banquinhos, irritou-se ainda mais, fungou algo e o empurrou contra o balcão. Por pouco não quebra o vidro que mostra cervejas no refrigerador e derramou seu desencanto. Não, nem gritou. Não foi preciso, pois o silêncio que sua entrada provocou... Economizou nas palavras, mas não na amargura e foi-se embora... Ele, ele ia engasgar, sufocar, não fosse a branquinha que ele virou de uma só e pediu outras! Os amigos, o bar estava lotado, riram dele e como riram!
– Ué! Mas não era ele que cantava juras de amor pra ela, feito pombinho? Serenata no aniversário, no dia dos namorados...?!
– Tá vendo, cara? disse outro, e a gente aqui te ajudando a comprar o violão amarelo!
Ai, que dor no peito e na garganta! Era verdade. Cantou pra ela durante meses, contou pra eles por quase um ano. Era um corruíra ardoroso, já disposto a construir-lhe um ninho. Com tanto amor assim, qualquer local, em qualquer vila ou conjunto, servir-lhes-ia de guarida... Até jardim eles iriam plantar... Limão, hortelã e pimenta cumbari.
Mas o patrão, bem-te-vi do peito branco ou quase, já tinha estado, ainda que dissimuladamente, arrulhando a sua rolinha. E muita coisa deve ter rolado: galinha! Bem que sua mãe lhe avisou:
– Abre dos olhos, meu filho!
Mas ele chamou a velha de ave de mau agouro, de sogra temporã, de mãe-coruja, sei lá!
Coitada, dava-lhe pena ver no filho único o quanto o amor é cego! E a moça foi ficando diferente..., indiferente..., diversa até no corpo... Ou eram minhocas na cabeça dele? Encasquetou. Reagiu. Ara! Minha mãe é foda! Magina, chamar a moça de franga-choca?! Ela nunca gostou da Sirlene. Mas, pensando bem, esta agora se incomodava com tudo, com o seu jeito de vestir; depois já franzia a testa com o seu modo de falar; se até o violão e as canções a desgostavam.
E, bom! O figurão cantou mais alto e mais sonoro, e proclamou por fim o seu domínio. Por isso é que ela, agora, anda procurando laboratórios... Não estará, agora mesmo, neste daí? Viu de rabo de olho um cara de cara erguida contra o sol, olhando a árvore... Quem será? E mais abaixo o carro estacionado:
– É ele!
Encrespou mais que as folhas da palmeira e freou... Deu meia volta. As pombinhas voaram. Bem-te-vi! Faria uma loucura! Bem-te-vi!
Apoiou a mão no capô; olhou pra dentro, mas...
– Não era... Explicou ao companheiro, o outro bicicleteiro, que veio ver.
– Tá doido, Alonso? Reagiu este.
Mas parecia, disse encabulado!
– E rico lá desperta a estas horas, rapaz?! Vamimbora!
Ficou sem jeito, mas foram-se. 

3 comentários:

  1. Eu estou simplesmente encantada com o seu blog e seus textos! É uma honra pra mim tê-lo me seguindo. Muito obrigada pelos elogios e seguirei arduamente cada texto escrito por ti. Quero aprender mais com você e com eles! Estou seguindo também, parabéns! Apaixonada estou pelas coisas que escreve e obrigada por seguir <3

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  2. Opa, surpresa, Dani, seja bem-vinda. recebeu a análise do seu poema. Tudo o que o escritor precisa é de um leitor, este é o melhor laboratório, né?! Aconselho um conto do Dr. Omar Ellakkis recém escrito. Ele mora em Foz e tem blog tb. Click e leia:
    http://mentepoeta.blogspot.com.br/2012/07/sonho-de-silvana.html?spref=fb

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  3. Muito obrigada pela indicação! Eu adorei a análise do meu poema, fiquei muito surpresa e feliz! E já estou seguindo o blog dele. Escreve muito, vou aprender muito com vocês, creio que sim. Beijos Antônio.

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